Quando o artista sucumbe…

Cada vez que um de nós vai embora, eu sou arrebatada por uma sensação horrível. Talvez seja sentimentalismo demais, talvez seja a sensação de sermos todos tão parecidos que me faz compartilhar da dor de quem não suportou a hostilidade do mundo. Agora foi alguém que me fez rir com sua leveza, sensibilidade e sinceridade do olhar.

Lembro que fui com minha tia no cinema da Playarte do Lar Center (em São Paulo) logo que “Uma Babá Quase Perfeita” foi lançado. Ir ao cinema era um “evento”, minha tia comprava muitas balinhas, pipocas, íamos no McDonalds (não dava pra ir sempre, era caro pro nosso bolso), eu dormia na casa dela e a gente assistia propagandas do 1406 (os primórdios da Polishop) até pegar no sono. Talvez por isso, todo filme do Robin Williams me transportasse pra um sentimento tão puro e leve, mesmo quando o tema do filme era mais denso.

E quando um artista sucumbe à parte sombria inevitável, me questiono, sinto como se fosse alguém da família e me pergunto se o mercado e o público não são cruéis demais, cobrando demais de quem está nos holofotes. Mas logo me lembro de que minha maior cobrança, como artista, é minha mesmo. Lógica fria de mercado ou fazer algo que vem do coração? Músicas-chiclete ou com significado e profundidade? Meu projeto autoral ou covers infinitos? Algo que me toca ou seguindo a tendência do momento? Não sei, a gente nunca sabe. E talvez esse seja o buraco negro da alma do artista. A gente sempre tem um “ou” entre dois pontos opostos, dificilmente vemos um “caminho do meio”. Não sabemos o que é “mais ou menos”. Ou são seis dias por semana de ballet clássico ou não dá. São cinco bandas simultâneas ou nenhuma. Apolo ou Dionísio. Trinta shows por mês ou só cantoria entre amigos. Quarenta alunos de música ou nenhum. Trinta músicas compostas em uma semana ou bloqueio criativo. Somos dos extremos, somos inflamados… e extraímos daí muita matéria-prima para nossa arte.

Ser “extremo” é perigoso… o que é extremo está “six feet from the edge”. Quanto mais nos distanciamos do centro, do “caminho do meio”, mais estamos próximos à obscuridade dos cantos da introspecção, indecisão, falta de perspectiva e depressão, ou da euforia desenfreada, a bipolaridade. E minha terapeuta me disse algo que me tocou demais, há alguns anos, e mudou minha cabeça: muitos de nós, artistas, achamos que precisamos da dor pra criar. Quantas vezes ouviu um poeta ou compositor dizer que só consegue escrever quando está na fossa? (Vide Adele e seu “corta-pulsos” álbum “21) É necessário fazer força para quebrar o ciclo vicioso da criação artística que vem da dor e produzir também em momentos de alegria. Depois de muita insistência e obras iniciais bem ruins, consegui começar a compor também falando sobre coisas positivas. Mas é um exercício diário. Se não vigio meus pensamentos, lá estou eu… cultivando a angústia, inquietação ou frustrações.

Para agravar esse nosso extremismo, vivemos num mundo completamente louco, onde a sensibilidade artística é banalizada e endeusamento da frivolidade dos artistas de um sucesso só, que se promovem por seus atributos físicos e talentos questionáveis. Sociedade superficial… melhor parar por aqui, porque vai ladeira abaixo. Mas, captou o cenário?

O combustível da arte não precisa ser a tragédia… um dia a gente aprende. Ou não…

Simplesmente, a sociedade não pode julgar as pessoas, artistas ou não, por não conseguirem suportar mais viver. Esse tipo de situação é só mais um sintoma da epidemia de “desumanização”…

Nunca passou pela minha cabeça desistir, mas a persistência existe graças a muita fé, amor da família e amigos e uma incurável esperança, que oscila mas não morre. O budismo diz que a revolução da humanidade começa com o levantar de uma só pessoa e que a arte e a cultura são importantes condutores da onda de mudança que começa em âmbito individual. Eu acredito!

E cada artista que vai embora, torna-se exemplo e traz uma reflexão importante (que acaba rápido, mas é válida). Obrigada aos artistas que se foram, mas deixaram esse legado. Obrigada aos colegas artistas que não sucumbiram e continuam tentando na Terra mesmo.

Thank you for everything, Mrs. Doubtfire…

Sugestão de leitura: “O nascimento da tragédia”, de Nietzsche.

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