Produção de espetáculos musicais amadurece no país, mas ainda depende de incentivos fiscais

por Guilherme Jeronymo

Enquanto as adaptações de musicais crescem em número, qualidade e complexidade, a necessidade do patrocínio subsidiado aumenta, ao passo que permanece longe a perspectiva de um grande musical 100% nacional.

Placa da Broadway, em Nova YorkHá cerca de dez anos as temporadas de teatro tem contado com a presença constante de musicais, subgênero no qual o Brasil tem sido considerado o terceiro mercado mundial. Somente neste mês temos em torno de 15 musicais em cartaz, com presença nos guias culturais de São Paulo e Rio de Janeiro, praças que concentram tais espetáculos por razões como a adequação dos palcos, a existência de toda uma infra-estrutura auxiliar e mão-de-obra capacitada ou especializada e o marketing dos patrocinadores. Destes, quatro são grandes produções, contando com mais de uma dezena de atores-cantores e mais de cinco músicos nas apresentações.

Como grande vitrine do teatro os musicais atraem pela pompa, dimensão e quantidade de recursos – entre atores, vestuário, cenário, orquestra e apoio. Também por isso a cobertura da mídia é constante e, na maioria absoluta das vezes, positiva a ponto de ser generosa.

Com tal retorno de marketing fica mais fácil levantar recursos financeiros para as peças pelas produtoras, mas é constante a impressão de que o marketing também condiciona uma resistência dos diretores e produtores em tratarem de aspectos além da dimensão artística.

Jorge Takla, na coletiva de imprensa de Evita, que dirigiu e cuja empresa, a Takla Produções, realizou, brincou quando questionado sobre os custos da peça: “Uns 200 reais”. Diretor musical e um dos sócios da produtora responsável pela peça New York, New York, a MaestroBrazil, Fabio Gomes foi mais específico quando conversou com nossa reportagem: “Eu quero falar da peça, não de coisas do mercado”.


A grande cena

Apesar de termos um número considerável de peças do subgênero ainda são poucos os núcleos que encenam musicais, e as principais produções estão ligadas aos nomes de Takla e Cláudio Botelho, com algumas “novidades”, como Gomes, mais experiente em outros gêneros.

As obras produzidas por aqui são adaptadas de espetáculos do circuito Broadway, como My Fair Lady, O Fantasma da Ópera, CatsMiss Saigon e O Rei e Eu, com poucas exceções, geralmente ligadas ao público infantil. Apesar da grande maioria dos roteiros não ser original, atores-cantores, músicos, direção, direção de arte e toda a imensa gama de funcionários de apoio o é.

Em Evita além dos três atores principais (Paula Capovilla, Daniel Boaventura e Fred Silveira), a versão de Cláudio Botelho conta com outros 42 atores e 20 músicos. Para esta versão, licenciada pela primeira vez à América Latina, que Takla fez questão de frisar que fora aprovada pelos autores, o produtor-diretor disse que não havia atores preparados para o papel há meros 10 anos atrás, no Brasil. Quando adquiriram os direitos da montagem, há quatro anos, o fizeram com liberdade de criação e mão de obra, o que não é uma regra no setor.

Na versão de Evita foi realizada ainda toda uma nova orquestração, a partir da original, sob a direção musical de Vania Pajares, que também é a regente. Construir este libreto, por sua vez, não é simples, e tal dificuldade é, para Takla, o motivo de não termos ainda um grande musical 100% brasileiro: “Falta autores, falta uma tradição, essa é uma linguagem anglo-saxônica. Eu gostaria de trabalhar um personagem brasileiro, fui convidado para fazer algo nos EUA, teremos algo no próximo ano”.

Estreando em abril, no Teatro Bradesco, o musical New York, New York, conta com 13 bailarinos, 16 atores-cantores e 25 músicos, além de equipe técnica. Com direção artística de José Possi Neto e direção musical do maestro Fábio Gomes de Oliveira, responsável também pela idealização e produção, através da Maestrobrazil. Sem montagem teatral anterior, o que a coloca como exceção no hall das grandes produções, vem da adaptação de livro homônimo de Earl Mac Rauch, com influência do filme, este também baseado na obra, de Martin Scorsese.

Com ambas as peças focando a metade do século passado houve um grande esforço na produção dos figurinos. Apenas para preparar o figurino de Francine, protagonista feminina de Ny, Ny, a partir da elaboração do diretor e do estilista da peça, a equipe do Atelier Chris Daud / Claudeteedeca utilizaram cerca de 10 profissionais, com o uso de técnicas específicas para a montagem de roupas cênicas. A equipe já havia trabalhado na ópera Joana de Flandres, realizada também por Fabio Gomes.

 

Boa vitrine, mau investimento?

Uma coincidência, à qual praticamente todos estamos bem acostumados, salta aos olhos assim que olhamos para os créditos. Tanto as duas peças sobre as quais nos debruçamos quanto praticamente todas as grandes produções recentes tiveram patrocínio via leis de incentivo, em especial o artigo 18 da Lei Rouanet, que permite 100% de abatimento ao mecenas. No caso específico de Evita e Ny, Ny houve ainda grande número de apoios institucionais mas poucos patrocínios e um mesmo patrocinador majoritário, o grupo Bradesco, através de diferentes empresas. A reportagem entrou em contato com a assessoria do grupo, que não cedeu entrevista nem expôs seus dados e políticas de mecenato, o que parece ser corriqueiro na área.

Através de uma análise de dados públicos, disponíveis no sistema Salicweb, que centraliza a burocracia e prestação de contas das leis de fomento à cultura, chegamos aos seguintes dados:

A produtora Aventura Entretenimento (Aventura Entretenimento Ltda), ligada a Claudio Botelho e responsável pelas peças 7 – O Musical, A Noviça Rebelde, Beatles num Céu de Diamantes, O Despertar da Primavera, Gypsy, É com esse que eu vou, Hair e os infantis Charlie e Lola e Peixonauta, teve, de um total de nove espetáculos com captação ativa e aprovação de captação de R$ 20.186.009,00, dos quais até o começo de maio haviam sido apoiados R$ 3.934.810,00, nas peças Gipsy e Hair.

A Axion Produtores Associados atuou na captação de diversas peças de Botelho, como Gipsy (temporada carioca), para a qual aprovou R$ 2.205.190,00. Também captou para Gaiola das Loucas (2 projetos, sendo um de Temporada Popular), Cabaret e Xanadu. Dos 9 projetos apresentados foi autorizada a captação de R$ 29.461.889,77, dos quais R$ 7.813.000,00 foram apoiados.

Outra a captar para as peças Gaiola das Loucas e Cabaret foi a produtora COARTE – Assessoria e Administração de Empresas Ltda. Para a primeira peça, em projeto de cinco semanas de temporadas populares em São Paulo e Rio de Janeiro, captou R$ 690.000,00, e para três meses da mesma peça, no Rio, captou R$ 3.240.000,00. Cabaret captou R$ 1.000.000,00 para a temporada paulista, tendo aprovado pedido de captação residual.

A Maestro Produções Artísticas & Culturais (Maestrobrazil), de Fabio Gomes de Oliveira, apoiou R$ 2.800.000,00 para o musical New York, New York, e para a produção de Joana de Flandres e A Flauta Mágica.

Outra grande no ramo a T4F Entretenimento S.A. teve dois projetos apoiados para o musical Cats, com R$ 410.000,00 e R$ 5.426.500,00. Para o musical Mamma Mia foram R$ 4.810.000,00. Para Os Miseráveis teve ainda R$ 1.331.541,00 aprovados. A empresa ainda trabalhou com outros grandes projetos via Rouanet, como o Cirque Du Soleil, o espetáculo A Bela e a Fera e o Circo Imperial da China.

A Takla Produções Artísticas Sociedade Simples Ltda., de Jorge Takla, teve R$ 2.480.000,00 para West Side Story, R$ 2.356.000,00 para Evita e R$ 5.389.000,00 para My Fair Lady, além de R$ 300.000,00 para O Rei e Eu. A produtora teve autorização para captar R$ 34.243.260,30. Em Evita contaram com patrocínio do Grupo Bradesco Seguros, da Bradesco Cartões e da American Express Membership Cards, além de diversos apoios. Os ingressos são vendidos ao preço mínimo de R$ 40,00 (inteira), chegando a R$ 185,00. A Takla foi também uma das poucas produtoras a deixar um cargo bem peculiar à mostra, o de Maria Eugenia Malagodi, sua Assistente de Leis de Incentivo.

Fonte: Cultura e Mercado

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